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Mulher de pele clara e cabelo preso agachada abraçando sua cachorrinha cega de pelagem clara que está na cadeira de rodas. Elas estão sob um gramado verde.
FOTO.     Shelly em seu momento preferido do dia: passeio com a tutora Nailane
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"agora eu vou ser os seus olhos"

Em Curitiba, na casa da professora de filosofia Nailane Koloski, 34 anos, vive Shelly, há 7 anos, paraplégica e cega, não que isso seja tratado como um empecilho ou dificuldade para ela, que na hora do passeio dispara em sua cadeirinha de rodas, sem medo de bater em nada ou ninguém e quebra todos os padrões de “dó” vistos pela sociedade. Mas, como nem tudo são flores, essa guerreira passou por situações delicadas até chegar em seu atual lar.

Fazenda Rio Grande, 2013 – Morava Shelly com seu suposto tutor, que relatou para sua vizinha os maus-tratos cometidos. Segundo ele, eis que a vira-lata teria roubado um pedaço de carne que estava em seu prato, ficou nervoso e agrediu-a, dando uma paulada nas costas e acertando a sua coluna. De imediato ela parou de andar, ele não quis prestar nenhum atendimento e acabou jogando-a na rua. Como era um bairro pequeno e periférico, essa vizinha – que já tinha muitos animais – a viu abandonada e a resgatou, porém Shelly ficou em condições bem precárias, sem o cuidado, limpeza e atendimento veterinário que precisava.

População total*     100.219
Área                 116,676 km² 
*estimativa populacional IBGE/2019

“Com 3 meses que ela ficou por lá, estava deplorável, ela se mutilava, ficava suja e disputava comida com os outros”, explica Nailane.

Em decorrência dos maus-tratos, Shelly apresentou muitas enfermidades: infecções urinárias, otite, papiloma, demora na cicatrização de feridas, assim como                          a principal causa da cegueira, o glaucoma.

                     “Depois de 5 anos comigo, ela ficou cega. Não sei se por genética ou              algum problema que se acumulou, mas o fato é que eu não percebi, ela não demonstrava e acho que também houve uma falha minha, eu me coloco nessa. Ela ia no veterinário frequentemente e nunca foi medido a pressão dos olhos dela. Quando eu notei, o problema já tinha se agravado. O olhinho dela já ficou estranho, ela começou a piscar muito e eu levei no veterinário, naquele momento ela perdeu a visão e tempos depois aconteceu com o outro olho. Foi bem chocante”, relata a tutora.

Cerca de 40% dos casos de glaucoma levam a perda total da visão. No caso da Shelly, era irrecuperável, os medicamentos e tratamentos não foram eficazes, apenas prejudiciais e incômodos.

E para afastar o desconforto, a enucleação foi necessária. “Esse momento foi muito difícil”, diz Nailane. “As pessoas me diziam 'ela não anda, vai ficar cega e agora como ela vai viver'”, conta. “E eu disse pra ela 'não tem problema Shelly, agora eu vou ser os seus olhos, vou te levar onde precisar'.”

Mudanças e adaptações

Animais especiais precisam de cuidados especiais. Os animais paraplégicos, principalmente, necessitam que as suas idas ao “banheiro” sejam estimuladas. Nailane divide essa tarefa – que requer uma rotina – com o seu marido, pois adquiriu problemas na coluna ao ficar abaixando e erguendo a Shelly para ajeitá-la na cadeira de rodas. Ela detalha também as adaptações feitas em casa. Na reforma, opta por rampas e não escadas e pensa sempre no tamanho da passagem para a cadeirinha. “Achei que quando ela ficou ceguinha eu teria problemas, não poderia mudar as coisas de lugar, porque ela ia aprender onde tudo estava e depois ia bater. E é muito estranho porque ela não age como um cachorro cego.”

 

Apesar de todas as possíveis adversidades taxadas como problemas por uma sociedade marcada pela visão de que animal doméstico precisa ter a estética da beleza perfeita, ser de raça e filhote, o sentimento é um só: amor.

Nailane sorri de ponta a ponta ao descrever características da Shelly. “Ela é muito querida, adorável, companheira e carinhosa. Tudo que eu faço, penso nela”, detalha.

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“É de fato uma superação, os animais em geral não lamentam o que acontece com eles, apenas se adaptam. Com nós, costumamos a pensar sempre o que tínhamos antes, no que poderíamos ter feito e ficar triste sobre isso, e até deixar de fazer as coisas que poderiam ser feitas por pensar muito no que deixamos de fazer, eu vejo que ela não se importa que não consiga fazer certas coisas, mas ela descobre jeitos e o que ela pode fazer agora, isso é muito interessante de ver.”

Quando Shelly chegou, encontrou nos corações de seus tutores uma segunda chance para a vida. O carinho e cuidado recebido proporcionaram uma transformação rápida, de apenas um mês, em suas características físicas, como ganho de peso e pelagem.

Medicina veterinária 4.0?

Impressão 3D é utilizada na produção de produtos personalizados aos animais com deficiência

Não há desculpas para optar pela eutanásia em animais em pleno século XXI. Os avanços tecnológicos estão em par com a medicina veterinária e o mercado de produtos para auxiliar nos tratamentos e adaptações estão cada vez mais amplos.

Desde 2018 a Pineal Tecnologias aplica a impressão 3D em projetos de próteses, órteses e cadeiras de rodas para animais com deficiência.

Renato Maciel, sócio fundador da empresa, explica que as cadeiras de rodas possuem três modelos principais. “A de apoio pélvico é para aqueles que não conseguem se movimentar com as patinhas de trás; a de apoio torácico, para os que não conseguem andar com as patinhas da frente e a de quatro apoios, que é o andador 3D feito para animais que não ficam em pé com nenhum membro, seja por problemas neurológicos e/ou doenças degenerativas que o deixaram totalmente inativo.”

De acordo com recomendações de médicos veterinários, os cães e gatos só podem utilizar as cadeirinhas por no máximo 30 a 40 minutos por dia. Apesar de seu benefício, o objeto impossibilita que o animal deite, forçando-os a ficar de pé a todo momento.

Além das cadeirinhas de rodas, que é o produto mais procurado entre os tutores, a empresa também desenvolve próteses e órteses. “As próteses são utilizadas quando o animal perde uma parte do membro ou o membro todo, ela substitui o membro. Já a órtese é quando possui o membro, mas há alguma deficiência nele, e ela faz uma reposição ou proporciona um suporte a mais”, esclarece Renato.

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Shester com a sua prótese, que substitui o membro amputado.
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Bella na cadeira de rodas de apoio pélvico, em uma versão menor e mais leve.
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Argos na cadeira de rodas de apoio pélvico.
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Lolla na cadeira de rodas de 4 apoios, o andador 3D.

Mas afinal, o que é de fato a impressão 3D?

Essa história tem início na década de 80, porém a sua popularização e utilização na medicina só deu as caras a partir dos anos 2000. A impressão 3D é a manufatura aditiva, um processo de produção através da adição de material.

Renato explica que essa inovação está inserida no cenário da indústria 4.0 e o método utilizado por eles chama-se FDM (Fused Deposition Modeling), ou seja, pelo derretimento de plástico ela gera camada por camada do objeto desejado.

A tecnologia é benéfica não somente em cães e gatos, mas todas as espécies. “Nós já fizemos uma pata para um patinho que foi amputado, um exoesqueleto para um bugio que foi atropelado, uma cadeirinha de rodas para um rato que ficou paraplégico. Temos um projeto em andamento de um galo de estimação que perdeu a perninha”, conta o empresário.

Revolucionário. É a palavra síntese para um âmbito marcado por constantes inovações. As cadeirinhas de rodas em impressão 3D se destacam no mercado pela possibilidade de serem desenvolvidas sob medida, de acordo com a necessidade do animal e visando a sua qualidade de vida. O preço inicia em torno de R$900 e varia conforme tamanho e peso.

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Conheça a história de quatro animais que driblam as suas adversidades e mostram a importância de serem reconhecidos e visíveis aos olhos da sociedade:

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© 2020 por Gabrielle Garcia.

São Paulo, SP.

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